Histórico

Atualmente, a Medicina afirma não haver qualquer relação entre a masturbação e doenças de qualquer espécie, mas nem sempre isso foi assim; já houve tempos em que a Igreja tinha na Medicina uma grande aliada na guerra contra a masturbação.

A Igreja Católica fez bom uso dos erros médicos sobre a masturbação produzindo em grande quantidade toda a espécie de panfletos e de tratados, sobretudo para os jovens ameaçados. E qualquer pessoa com idade suficiente para ter adquirido sua teologia moral das fontes católicas tradicionais poderia ainda ser persuadida de que o onanismo ataca a medula espinhal, amolece ou resseca o cérebro, ou então, em qualquer caso, faz a pessoa ficar doente. (Ranke-Heinemann, 1996)

A moralidade cristã considerava pecado todo ato sexual cujo objetivo não fosse a procriação e, baseada no discurso de Tomás de Aquino, que considerava a masturbação pior do que o sexo praticado com a própria mãe, baniu a masturbação e classificou-a no grupo dos pecados antinaturais (mais graves) da esfera sexual.

A carga negativa imputada à masturbação deve ser analisada e compreendida a partir de uma associação ao tempo histórico em que o Cristianismo viria substituir o Império Romano, onde o prazer da carne tinha que ser substituído pela busca da santidade. (Correia, 1997)

O antepassado mais remoto contra a masturbação foi o médico grego Hipócrates (460-375 a . C.), que embora não estivesse particularmente interessado em condenar especificamente a masturbação, e sim a debilidade corporal que esta tinha em comum com o ato sexual, disseminou o receio de sua prática ao associá-la a tabes dorsalis, uma doença sifílica do sistema nervoso.

Já Galeno (131-199 d.C.), médico particular do Imperador Marco Aurélio, defendia que tanto o ato sexual quanto a masturbação eram bons para a saúde, bem como para proteger o corpo contra venenos que o faziam definhar, e acreditava que a abstinência causava tremores, convulsões e loucura. Suas idéias foram seguidas por Avicena (980 - 1037), filósofo muçulmano que recomendava o onanismo quando da impossibilidade de levar a cabo o ato sexual em si.

Com o fim dos bordéis, durante a Idade Média, houve um aumento significativo da prática masturbatória nas classes mais baixas, nas quais não existia reprovação social contra a sexualidade. Chegou-se até a inventar alguns tipos de atividades sexuais pré-nupciais, socialmente aceitas, que envolviam a prática da masturbação, tais como o Bundling, praticado na Inglaterra, que consistia no cortejo feito por um casal semi-nu deitado sozinho na cama, e o Albergement, praticado na França, que consistia em vários casais apaixonados deitados em uma mesma cama, sendo que cada casal teria a função de controlar os demais para que estes não corressem o risco de perder o autodomínio.

A Igreja, porém, também não perdia tempo. Por volta do século XI, em plena Idade Média, a igreja Católica difundia que a masturbação era estimulada por demônios especiais (os íncubos e súcubos) e que, masturbando-se, a pessoa permitia que eles se reproduzissem. Por isso mesmo, quem fosse pego praticando tal coisa corria o risco de ser queimado numa fogueira, na chamada ‘festa da purificação’. (Revista Capricho, 1988)

Em 1479, o pastor Johan Von Wesel enfrentou a acusação de heresia perante o tribunal da Inquisição por aceitar as teorias de Galeno e Avicena. Em seus escritos, o pastor indagava-se se o prazer decorrente da masturbação praticada apenas para extrair do corpo o sêmen que se acumulava e prejudicava-o não poderia se dar sem pecado, visto que a única intenção seria preservar a saúde. Von Wesel teve que se retratar de seus escritos e foi condenado à prisão em um mosteiro.

A masturbação só passou a ser chamada (erroneamente) de onanismo em 1710, quando Bekkers, médico puritano de Londres, escreveu o livro Onania ou Pecado Repugnante da Polução Auto-induzida, no qual dizia que a masturbação estava generalizada entre ambos os sexos e que, na qualidade de médico, sentia-se obrigado a chamar a atenção das pessoas para as suas consequências: distúrbios do estômago e da digestão, perda do apetite ou fome voraz, vômito, náusea, debilitação dos órgãos respiratórios, tosse, rouquidão, paralisias, enfraquecimento do órgão da procriação ao ponto da impotência, falta de libido, ejaculações noturnas e diurnas, dor lombar, distúrbio dos olhos e dos ouvidos, total diminuição das forças do corpo, palidez, magreza, espinhas no rosto, declínio das forças intelectuais, perda da memória, crises de raiva, loucura, idiotia, epilepsia, rigidez muscular, febre e por fim o suicídio. (Ranke-Heinemann, 1996)

O termo onanismo foi inspirado indevidamente em uma passagem bíblica: havia entre os hebreus a tradição do levirato, instituição matrimonial que impunha à viúva o casamento com o irmão do seu falecido marido, visando assegurar a continuidade da família na linhagem masculina. De acordo com esta tradição, tendo morrido Er, o primogênito de Judá, ele ordenou a Onã, seu segundo filho, que desposasse Tamar, viúva de Er: Possui a mulher do teu irmão, cumpre o levirato e suscita descendência a teu irmão. (Gn, 38,8)

Como Onã sabia que o filho concebido por Tamar não seria considerado seu, maculava-se por terra cada vez que unia-se à mulher do seu irmão, para não dar a ele a posteridade. Isso porém, que fazia, era mau perante o Senhor, pelo que também a este fez morrer. (Gn, 38,9-10)

Onanismo, que tem derivação do nome de Onã, não tem portanto nenhuma ligação com a masturbação, mas sim com o "coito interrompido".

Em 1758, o médico calvinista Simon-André Tissot publicou o livro Onania, no qual elaborava uma teoria da degeneração sexual em que sustentava que a perda do sêmen era responsável pela doença tento física quanto mental, e descrevia como num onanista o cérebro era ressecado de forma tão grande que se podia ouvir seu roçar no crânio. (Ranke-Heinemann, 1996)

Durante a "Idade da Razão", porém, nem todos concordavam com a concepção médica vigente: o Conde Mirabeau, um dos protagonistas da Revolução Francesa, em 1791, rejeitou o terrorismo contra a masturbação, baseado nas teorias de Galeno e Avicena, e declarou que a masturbação era uma prática sexual sensata.

Seguindo essa mesma concepção, a Rainha Maria Antonieta teve problemas mais graves: a indiciação pública que justificou a sua execução, através da guilhotina, acusava-a de trair o país e se entregar a obscenidades com seu filho de 8 anos, Louis-Charles Capet. A acusação fundamentava-se no depoimento do próprio garoto e do sapateiro Simon e sua esposa (responsáveis por sua educação), que afirmavam ter presenciado o garoto na prática masturbatória; prática esta que o jornalista Jacques-René Hérbert afirmava ter sido ensinada por sua mãe e sua tia, entre as quais o menino dormia, eventualmente.

Pais, médicos e educadores lutavam desesperadamente contra tamanha periculosidade, empregando muito dinheiro e energia nessa tarefa. Os dispositivos incluíam intervenções físicas, morais, cirúrgicas e de barreiras, como os cintos, cadeados, gaiolas e anéis, para proteger os órgãos sexuais de ‘mãos errantes’, além de outros cuidados preventivos como a disposição da cama, a iluminação do quarto, o controle do tempo para o banho, a confecção de roupas e a vigilância secreta do indivíduo, quando desacompanhado. O cardápio recomendado pelos médicos no tratamento do ‘mal’ excluía os molhos, álcool, ostras, sal, pimenta, peixe, gelatina, chocolate, gengibre e café (para homens e mulheres masturbadores) porque se acreditava que eles irritavam os nervos e aumentavam o desejo sexual. (Correia, 1997)

Outros médicos recomendavam ainda envoltórios de lençóis úmidos, cintos de castidade, anéis de metal cravejados, a atadura das mãos ou alarmes para soar no quarto dos pais caso a cama da criança se mexesse; e caso nada disso desse resultado, tratamento cirúrgico.

Meio século depois do Conde de Mirabeau ter defendido a masturbação, o deontologista J. C. Debreyne continua chamando a atenção das pessoas para os males advindos dessa prática e, considerando-a como uma doença, aconselha que as pessoas que a tenham contraído durmam de lado, nunca de costas; bebam e comam coisas frias; chupem gelo e lavem-se com água de neve salgada, além de recomendar a clitoridectomia, já que o clitóris é um órgão sem finalidades procriativas, servindo única e exclusivamente para o prazer.

V. E. Pilgrim, em seu livro Der selbstbefriedigte Mensch, descreve os métodos para combater a masturbação: nos meninos, aplicavam-se arames ou fivelas de metal, inseridas através do prepúcio. À noite, eram colocados anéis de metal em torno do pênis. Para as meninas, a melhor prescrição do século foi a clitoridectomia, que foi igualmente recomendada pelo médico vienense Gustav Braun, em seu Compendium der Fauenkrankheiten (1863) e praticada pelo cirurgião londrino e presidente da Sociedade Médica de Londres Isaac Baker-Brown, para remediar os males causados pela masturbação: histeria, epilepsia e varizes (...) (Correia, 1997)

Essa campanha anti-masturbatória era levada tão a sério que, em 1849, um certo Dr. Demeaux chegou a enviar ao Ministério da Cultura Francesa um pedido urgente exigindo entre outras coisas, reformas nos leitos de universidades, internatos e escolas, de modo que dois terços da cama fossem destinados aos pés e o terço superior para a cabeceira, sendo estes separados entre si por uma parede especial. Esta reforma visava facilitar a vigilância dos pés dos alunos, em busca de movimentos "suspeitos".

Além disso, o Dr. Demeaux pedia que as calças não tivessem bolsos (proposta que, ao contrário das outras duas, foi aceita) e que houvessem inspeções ou revistas corporais surpresa para os meninos, várias vezes por ano, visto que esperava-se que aqueles que praticassem a masturbação apresentariam características especiais ­ como o desenvolvimento do seu membro, medo de se mostrarem nus e debilitado estado de saúde ­ que certamente chamariam a atenção do médico.

Esta última proposta só foi rejeitada porque temia-se que essas revistas físicas acabassem por destruir o pudor dos meninos, que era uma das armas mais poderosa que se tinha contra a masturbação.

Em 1822, foi publicado num periódico francês de nome L’Encéphale, um artigo de um médico de Istambul chamado Demetrius Zambaco, no qual este recomenda um dos mais cruéis tratamentos de que se tem notícia: a cauterização do clitóris com ferro incandescente, que eliminava gradativamente a sensibilidade da área e, se continuamente repetido, chegaria a eliminar completamente o próprio órgão.

Felizmente, nem todos os que se engajavam na luta contra a masturbação eram tão cruéis e radicais. O reverendo Sylvester Graham, por exemplo, acreditava que esse problema poderia ser resolvido apenas com uma boa dieta alimentar, boa forma física e abstinência sexual. Foi por isso que empenhou-se no desenvolvimento de uma bolacha, a qual batizou com o seu próprio nome (Graham Cracker), que acreditava que tivesse o poder de reduzir as necessidades carnais, prevenindo, portanto, a prática masturbatória.

Já John Harvey Kellogg, médico dirigente do Battle Creek Sanitarum, apesar de seguir a mesma linha de pensamento de Graham, e de ter criado uma dieta especial que substituía a carne por cereais e nozes processados, era um defensor tão ardoroso da teoria antimasturbatória de degeneração, que chegava a guardar seu sêmen, dormindo sozinho, sem nunca ter consumado seu casamento. (Correia, 1997) E para os seus pacientes, recomendava a costura do prepúcio com fio de prata (ou, caso isso não funcionasse, circuncisão sem anestesia) para os meninos e a queima do clitóris com fenol para as meninas.

Até o início do século XX, muitos médicos continuavam a acreditar que essa atividade produzia insanidade mental se praticada em ‘excesso’. Essa crença se originou, aparentemente, da observação de doentes mentais que se masturbavam nos manicômios; e esse tipo de tratamento mutilador só teve fim em 1905, quando Freud publicou seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade; embora a idéia de nocividade imputada à masturbação não tenha, de maneira alguma, sido abolida, o que pôde ser claramente observado quando, em 1910, o Dr. E. Sterian advertiu que conseguia reconhecer os "infelizes adeptos do sexo manual por seu permanente odor de esperma"(L’education sexuelle).

Como os meios científicos foram perdendo sua força no que tange ao combate da masturbação, a Igreja achou que chegara a hora de voltar a advertir seus fiéis sobre essa prática e, em 1975, o Papa Paulo VI, em sua Declaração sobre algumas questões sobre a ética sexual, voltou a atacar a masturbação, dizendo que além de seu praticante se ver privado do amor de Deus, esta prática se constitui num pecado mortal, embora não seja possível provar inequivocamente que as Sagradas Escrituras expressamente repudiem esse pecado como tal. ( Ranke-Heinemann, 1996)

E mais recentemente a Igreja tem recebido ajuda da China nesta árdua tarefa. Tem-se inclusive notícia de um programa educacional de planejamento familiar, datado de 1985, que incentivava a prática da continência, afirmando, entre outras coisas, que o casamento precoce é prejudicial, porque conduz à sexualidade exacerbada; que a vida sexual intensa, assim como a masturbação, leva à impotência; sendo que no caso desta última o indivíduo ainda pode ficar com sequelas tais como lesão cerebral e miopia. É importante que reflitamos sobre os reais motivos desta campanha por parte da China, visto que, por medidas econômicas, há muito tempo a contracepção já é imposta no país.